1-Na
pandemia a terra não descansou!
Num documento assinado por mais de
300 organizações de proteção de direitos humanos e da terra a afirmação
principal é: o setor da mineração continuou mantendo sua atividade e seus
lucros apesar da pandemia.
1.
as
corporações mineradoras decidiram ignorar as ameaças reais da pandemia e
continuam operando, usando todos os meios disponíveis (…) para classificar a
mineração como "um serviço essencial";
2.
Governos e empresas de todo o mundo estão tomando
medidas extraordinárias para silenciar protestos legítimos (…)
3.
As
empresas mineradoras estão usando a pandemia como uma oportunidade para
encobrir seu histórico sujo de destruição (…)
4.
Governos
e políticos estão garantindo mudanças regulatórias - suspendendo a pouca
supervisão e monitoramento ambiental ;
A terra não descansou… ao contrário!
O Agronegócio cresce durante
a pandemia e fica mais atraente. O setor brasileiro se destacou em meio à recuperação
econômica e durante a crise da COVID-19. Câmbio valorizado e capacidade de
exportação tornam as empresas brasileiras do agronegócio mais atraentes para os
investidores estrangeiros.
A finaceirização da natureza não
somente lucra com a pandemia mas faz parte do metabolismo de produção da
pandemia: que setores como a mineração e agricultura extensiva e intensiva não
tenham parado com a pandemia mas tenham ampliado sua capacidade política e
conômica representa uma normatização da enfermidade global e sua banalização:
Na América Latina, o novo
epicentro da pandemia, a destruição foi particularmente grave. Com a economia
global praticamente parada, o agronegócio na região continuou funcionando com
total impunidade, aprofundando seu impacto e os danos que causa a comunidades e
ecossistemas.
Movimentos camponeses, indígenas,
comunidades tradicionais e organizaçoes ambientais em todo o mundo denunciam
(1) o oportunismo dos setores extrativistas em assegurar lucros e proteger
negócios sem considerar a necessidade de repensar o modelo global de trânsito
de commodities e os impactos na precarização da saúde pública; (2) a
negligencia dos governos na manutenção das estratégicas reservas públicas de
alimentos num quadro de agravamento da fome a nível global.
O coronavírus pode levar o
mundo a outra “pandemia”: (…) A fome no mundo deve mais do que dobrar em 2020,
segundo a ONU (World Food Programme).
A alta global dos preços é reflexo de como o coronavírus intensificou a disputa
por comida.
Assim, se houve um time-out forçado e global não funcionou
do mesmo modo para toda a sociedade e muito menos para a Terra - o planeta – e
os Territórios – lugar de vida das comunidades: a terra continuou sendo
explorada de modo extensivo e intensivo.
O time-out
que precisamos NÃO pode se
referir ou se reduzir a um acidente, um destino não planejado, uma reação
forçada por agentes externos. A pausa, o
descanso e o sossego que precisamos
experimentar – tanto no corpo pessoal, como no corpo social e no corpo do mundo
– precisa ser fruto de vontades coletivas, políticas desejadas e
espiritualidades radicais.
Porque não será uma concessão ou um
acaso inesperado, precisamos também de time-out
com os significados de quebra, ruptura, fratura como expressão política, cultural e espiritual de uma
vontade coletiva, de acordos plurais das maiorias de interromper a boca dentada
do capitalismo.
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2-Sábado: vontades
coletivas, políticas desejadas e espiritualidades radicais
A tradição bíblica poderia contribuir
nesta busca e criação de um “tempo de descanso”. Nas palavras do agora saudoso
biblista latino-americano Milton Schwantes:
Para uma vida digna em meio
aos jardins criados por Deus, é preciso “viver de modo sabático”. Ao se
descansar abrem-se as janelas de novos mundos, para a sociedade, a fim de se
superar a espoliação de pessoas e animais.
Uma leitura bíblica atenta e motivada
pelas resistência e alternativas dos povos da terra - camponeses, indígenas,
comunidades tradicionais – tem sido importante na recuperação horizonte
camponês da literatura bíblica
– em disputa com a ritualização do Templo e o controle do Estado.
A criação no Gênesis bíblico é um
processo criativo que estabelece ciclos e alternâncias, contrários e
simultaneidades que apontam necessariamente para o descanso: em Gênesis (1.1-2, 4) a própria criação
efetiva o sábado como descanso; aliás, ele é parte da própria criação. É
partilhado pelo Deus criador e por suas criaturas, pessoas e animais.
Deus
descansa
não como resultado ou fim do processo criativo: o descanso é parte do processo,
dinâmica essencial da criação recriando-se continuamente. Uma demarcação de
tempo que recria o espaço: e Deus viu que
tudo era bom. Este tempo de descanso é o lugar da contemplação do processo
criado e em criação, é a qualidade de tempo interrompido que permite avaliar a
qualidade do espaço e garantir não só seu funcionamento mas também sua
“bondade”, sua capacidade criativa de fazer o que é bom. O Sábado não serve
para nada… a não ser este respiro vital para seguir criando.
Aqui
se revela a noção de que a criação é o espaço de vida para todos os elementos
do universo e que, além da necessidade de intervenção constante no ambiente, há
a necessidade de tempos de pausa, de descanso, de ócio. Um famoso pensador judeu
se expressou dizendo que o “sábado da criação abre o mundo para a eternidade”.
A provável origem do sabbath a partir da cultura agro-pastoralista
cananéia
ajuda a estabeler relações com a vida cotidiana e seus modos de “fazer e viver”
em que os momentos de trabalho coletivo precisavam de uma interrupção criativa
como parte do processo de reprodução da vida do grupo humano, dos animais e da
vegetação. Esta prática de vida na terra e com a terra se expressa na “guarda” do sábado, na separação de um dia
em que tudo suspende seus afazeres e contempla, e nomeia: é bom! Este descanso é também criador da teologia, isto é, deixa
espaço para que a comunidade celebre na terra e com a terra a motivação e ordem
criadora da vida. Neste sentido, o descanso não só é parte da criação, mas o
descanso cria Deus; esta pausa intencional, que recria as condições de
vida, cria o espaço da celebração e da
nomeação do sagrado na terra e na vida. Não cumprir com este pausa significa
morte.
"Em seis dias façam os
seus trabalhos, mas no sétimo cessarás para que o seu boi e o seu jumento
possam descansar (yanûaj), e o seu escravo e o estrangeiro renovem as forças (yinnafeš).”
Êxodo 23, 12
"Trabalhe seis dias, mas
descanse (tišbot); no sétimo; tanto na época de arar como na da colheita.” Êxodo
34:21
Em seis dias se fará todo o
trabalho, mas o sétimo dia lhes será santo, um sábado de descanso consagrado ao
Senhor (šabat šabbatôn leyahveh); todo aquele que nele fizer
qualquer trabalho morrerá. Êxodo
35:2
3-Espiritualidade e mecanismos sociais de descanso: de
sábados e jubileus
Existe uma insistência na dimensão
necessária do descanso em diferentes escalas de tempo: o sábado na organização
da semana e o sábado na organização do calenário ampliado na forma do ano
sabático:
Também seis anos semearás tua
terra, e recolherás os seus frutos;
Mas ao sétimo a dispensarás e
deixarás descansar, para que possam comer os pobres do teu povo, e da sobra
comam os animais do campo. Assim farás com a tua vinha e com o teu olival. Êxodo
23:10 e 11
O ano
sabático recria a pausa semanal em escala ampliada; no final de sete anos,
por todo um ano, a terra descansa porque os campos são deixados sem cultivo,
mas também para se cuidar dos pobres e dos animais, para remissão das dívidas e
para os escravos israelitas serem libertos como no Deuteronômio 15:
v. 1-3: perdão de dívidas a cada 7 anos.
v. 4-6: se o povo ouvir a Palavra de Deus, não haverá
pobres.
v. 7-11: se há pessoas pobres, você deve
emprestar-lhes
v. 12-18: sobre a libertação dos escravos
O mesmo vai se dar em escala ampliada
de 50 anos (7 X 7) com o ano Jubileu no Levítico
25:
v. 8-22: “Eles
declararão santo o ano 50 e proclamarão a libertação na terra para todos os
seus habitantes. Será um Jubileu para vocês: cada um recuperará sua propriedade
e cada um retornará à sua família” (v.10).
Consequências da santidade destes anos: v. 23-55
a) resgate de propriedades: v.23-34
a terra: v.23-28
a casa: v.29-34
b) resgate de escravos: v.35-55
O sábado
é sabedoria dos povos na relação com a terra, fruto da convivência e dos
saberes da necessidade de não exaurir, não extenuar, não esgotar a capacidade
recriadora: comer da terra sem devorar o mundo!
O sábado em suas diversas escalas
temporais responde a dois desafios básicos: a necessidade de entender as
necessidades da terra e a capacidade de criar mecanismos de resolução das
desigualdades sociais. Neste sentido, os textos bíblicos precisam ser lidos a
partir do chão, da terra, da agricultura e suas espiritualidade. A agricultura
é parte de um conjunto de conhecimentos estabelecidos e metabolizados por
grupos sociais na relação com a natureza. Este corpo de conhecimentos é
constituído pelas formas de trabalho, de lazer, de mística, de produção de valor
e de encantamento que são muito mais complexas que somente os processos de
produção, distribuição e consumo.
Desafio pós-pandemia: os direitos da natureza e soberania alimentar
A pandemia do COVID 19 veio para
ficar. Mesmo com as respostas sanitárias e vacinas possíveis a realidade dos
excessos do capitalismo como exaustão das condições de vida no planeta veio
para ficar e precisam ser enfrentadas.
As vontades coletivas e as políticas desejadas para este novo tempo
exigem de nós rupturas com os ciclos de doença e lucro e também a busca de espiritualidades
radicais que afirmem o direitos da natureza.
Reconhecer os Direitos da Natureza, significa passar de uma abordagem
antropocêntrica a uma sociobiocêntrica com o objetivo de ampliar o entendimento
de Direitos Humanos com novas gerações de direitos, neste caso os Direitos da
Natureza, como parte da emancipação permanente dos povos.
“A Natureza tem muito a
dizer, e já está na hora de nós, seus filhos, não continuarmos a nos fazer de
surdos. E talvez até Deus escute o apelo que ressoa a partir deste país andino
– o Equador – e acrescente um décimo primeiro mandamento que foi esquecido nas
instruções que nos deu no Monte Sinai: ‘Amarás a Natureza, da qual fazes
parte’”.
O outro desafio vital é este de
manter as panelas, os pratos e os corpos num diálogo constante. Fazer política
de corpo e território. Em todo o mundo os movimentos camponeses e populares, em
espacial de mulheres, entenderam o estrangulamento das condições de reprodução
da vida, as ameaças sanitárias e o aumento da desigualdade social provocando
caos e fome. As cozinhas comunitárias, os mutirões de vizinhança, a distribuição
de alimento ligando campo-cidade são os materiais mais preciosos da
solidariedade necessária para defender a vida das comunidades pobres, resgatar
valores de humanidade e de luta classista: é amor!
Nancy Cardoso
Universidade Metodista de Angola
Nancy Cardoso
Universidade Metodista de Angola
GALEANO,
Eduardo, A natureza não é muda, https://appsindicato.org.br/?p=11998/#:~:text=E%20talvez%20at%C3%A9%20Deus%20escute,%2C%20da%20qual%20fazes%20parte'.&text=Durante%20milhares%20de%20anos%2C%20quase,direito%20de%20n%C3%A3o%20ter%20direitos
(acesso 9/1/2021)