A Teia dos Povos foi criada a partir
dos diálogos continuados da I Jornada de Agroecologia da Bahia, realizada em
2012 e tem o papel de traçar a agenda de ações anuais que auxiliam no
desenvolvimento, empoderamento e emancipação das comunidades integradoras.
Participam segmentos como acampamentos, assentamentos, quilombolas, indígenas,
mestres e lideranças de tradição oral, pequenos/as produtores/as, estudantes,
pesquisadores/as e profissionais em Agroecologia.[1]
Todo
o sul da Bahia é habitado por divindades plurais: Encantados e Encantadas,
Orixás e Caboclas. Ali no litoral, entre o mar e a mata, as primeiras
comunidades nativas se encontraram com os invasores faz 515 anos. Tanta
desmesura nos modos de tomar a terra, arrancar a mata e escravizar as gentes
des-evangelizou para sempre o povo do lugar e tornou seus deuses e deusas mais
belos e necessários. E o evangelho se mistura discretamente com as danças e
rodas de conversa.
Esta
é uma história de radical permanência de povos e seus modos de crença na luta pela
terra e o território. No círculo. Na roda. Nada se perde. Somos Cabruca: o
sistema de mata e vida dos povos tradicionais do sul da Bahia.
A
Cabruca é tudo misturado de árvores grande e antigas com formas de plantio
recentes que combinam o cacau com as frutas, a horta e as matas que ainda restam
no litoral do Brasil. Da Cabruca e na Cabruca o povo da mata retira seu
sustento, mantem seus gostos e sabores e se agrada da vida: uma agricultura que
convive com a paisagem, que brota a roça no meio dos insetos, das flores e de
raízes necessárias.
Pertencer a um lugar é fazer parte
dele, é ser a extensão da paisagem, do rio, da montanha. É ter seus elementos
de cultura, história e tradição nesse lugar. Ou seja, em vez de você imprimir
um sentido ao lugar, o lugar imprime um sentido à sua existência. [2]
O
que junta as mulheres no encontro da Teia[3] são as práticas e debates
sobre agroecologia num cenário político difícil e conflituoso e num processo de
avanço da florestas artificiais de eucaliptos, pastagem para o gado, mineração
e empreendimentos turísticos. Contra a monocultura económica, política e
cultural as mulheres da Teia dos Povos afirmam a agroecologia: trocam sementes,
compartilham metodologias de plantio, desenvolvem técnicas e aprendem o novo
misturado com o ancestral.
Entre
uma conversa e outra sobre agroecologia encontrávamos sobre a sombra das
antigas árvores e suas pluralidades. Eróticas.
O
erótico é uma mudança da ordem mono-cultivada da vida e da sexualidade... um
confronto com a racionalidade falocrática do capitalismo que é baseada e focada
na reprodução ou na realização exclusiva de seu próprio desejo: mais-valia.
O
monocultivo cria fileiras iguais de plantas iguais; a Cabruca é a tecnologia de
plantio em que o cacau e outras espécies convivem com a floresta, se alimentam
da sombra e dos nutrientes naturais de uma paisagem que não exige uniformidade
ou "limpeza".
É
aqui que a indecência deve acontecer: no modelo de interpretação da relação
cultura-natureza nos modos de se fazer agri-cultura. A agricultura é queer ...
sempre foi! Quanto mais diverso, mais resistente, mais misto e coexistente com
todos os seres - desde rio, sol, floresta, clima, chuva, sereno, animais, vento
- mais capacidade para a vida. Tudo isso para colocar pedaços do mundo na boca
e sentir o gosto, cheirar os cheiros e tocar as texturas do que foi esfregado
no chão e se fez comida: é queer! da semente à merda e os restos que adubam a
terra: é cultura.
A
“milpa” mexicana e centro-americana
Outro
modo latino-americano de queer-agroecologia é a “milpa”: um conceito complexo
dos povos indígenas mexicanos, pois abrange muitas dimensões, desde a
agricultura, as crenças, arte e também a nutrição[4]. Sabe-se que “milpa” é uma
palavra que vem do Nahuatl: “milli, campo
e pão, acima; em cima do lugar”. É constituído pela tríade mesoamericana:
feijão, milho e abóbora, três dos produtos ancestrais essenciais que crescem
juntos, misturados. O uso desses elementos foi encontrado em escavações que
datam de 2.000 a 6.000 anos.
Aqui nos parece oportuna uma analogia
com a Pedagogia da Milpa ao destacar que a dimensão educativa da luta política
na defesa do território e de uma matriz agroecológica da produção constitui um
processo que articula a apropriação pedagógica da intersubjetividade e da
racionalidade própria da cosmovisão indígena e da abordagem
linguístico-cultural no âmbito das comunidades.[5]
Os
elementos que o compõem a milpa não são apenas usados como uma base
importante de alimentação, mas são essenciais em termos médicos e rituais, pelo
que oferecem de antigo e novo. A tríade mesoamericana é um "mundo"
complexo, porque a forma como se combina o que é semeado, faz com que cada um
dos seus elementos contribua com algo diferente mas igualmente nutritivo e rico
a este conjunto. Além disso como cultura, é muito mais sustentável do que só
plantar milho: na milpa tem alimento o ano todo e a terra se nutre mais.
Afirmam as mulheres[6]
En nuestras investigaciones y
actividades, empleamos metodologías participativas que favorecen el intercambio
de conocimiento, así como procesos de emancipación, auto-reconocimiento y
visibilización de los saberes y capacidades
de las mujeres: desde el diseño y manejo de huertos comunitarios y
patios familiares; el cultivo, cosecha y recolección de alimentos silvestres,
hierbas y animales; la creación y coordinación de organizaciones y proyectos colectivos que fomentan
la concientización y educación en la agricultura sustentable y el cuidado del
medio ambiente; hasta el conocimiento especializado en las prácticas de manejo
de maíces nativos y sus canales de comercialización... Por
eso, decimos junto a las mujeres zapatistas que ¡nuestra lucha es por la vida!
Y agregamos que ¡sin mujeres no hay agroecología! Pero, también, que ¡sin
agroecología no hay feminismo!, porque no podemos cuidar de nuestros cuerpos y
de la Madre Tierra con agrotóxicos y semillas no nativas. [7]
Na
“milpa” cultivam-se também quelite, pimenta e alguns vegetais ou plantas
medicinais. Nas margens também existem árvores frutíferas, maguey e até nopales
/ cactos, que servem para proteger. Estes variam de região para região, pois se
nutrem do que existe em cada ambiente. Em alguns lugares você pode até
encontrar mamão, chile ou jamaica.
“[...] o mais singular na história do milho, como eixo da comida mexicana, é que deu origem a um complexo sistema cultural que deu harmonia e recirculação da relação humana com o meio ambiente. A milpa é sua concretização e conferiu destino aos usos agrícolas, à nutrição e à celebração de festas, cerimônias e rituais; criou técnicas, ferramentas e procedimentos que ampliaram e facilitaram os usos ótimos deste cereal e conferiram-lhe uma poderosa força de coesão social. a planta da convivência. Com ela crescem outras que, juntas, proporcionam uma alimentação básica na vida das comunidades, conferindo o sentido de reciprocidade e solidariedade compartilhada ”.[8]
Sementes
e plantas parecem lugares pacíficos e domesticados, mas quem vive da luta pela
defesa das sementes crioulas sabe que são sempre iguais... e tão diferentes:
nunca com uma identidade definitiva! Essa diversidade se deve à alta capacidade
de dispersão das variedades crioulas, que se deve à troca constante de sementes
entre o campesinato e povos tradicionais; aos cruzamentos contínuos que se realizam
entre as variedades que vivem desta ciranda aleatória que modifica as
características e que geram novas variedades.
É
necessário afiar as teorias feministas e queer de ponta para a luta contra os
modelos hegemônicos de exploração da natureza; é preciso rever nosso imaginário
e superar as paisagens heteronormativas e fixas que temos da natureza;
precisamos de uma ecologia queer e feminista. Uma agricultura erótica.
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[4] La
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